Há semanas que a venho encontrando nas paredes da copa, caminhando como se nada tivesse acontecido. E, com três patas, vai seguindo a rotina de pegar mosquitinhos que, inadvertidos, pousam naqueles azulejos. Nos primeiros dias aquela lagartixa, também conhecida por ‘biba’, quando de minha aproximação, corria e, certamente, pensava: “Aquele gigante quer me pegar”. Não sei onde perdeu o seu membro superior esquerdo pois, quando comecei a observá-la, já tinha a amputação. Tenho certeza de que não foi em um acidente de moto. Que eu saiba, pequenos animais não pilotam e nem pegam carona com motoqueiros.
Como não me preocupo com a sua presença, pois até me livra dos minúsculos voadores, já me aproximo sem que ela corra tanto. Certa feita li que as lagartixas são propensas a acidentes cardiovasculares, ou seja, a doenças do coração. Falei isto a um sobrinho e ele saiu batendo o pé, perseguindo uma delas, que no piso liso, podendo pouco correr, foi arroxeando, até parar morta de susto. Espero que os leitores não queiram fazer o teste, deixando essas espécies de “faxineiras” limpando nossas casas dos insetos.
Chovia intensamente e o frio aumentou naquela noite e eu, como rotina de um diabético, fui à copa, por volta de três horas da manhã. Não vi nas paredes a minha amiguinha cotó e meus olhares a procuravam por todas as paredes. Entristeci-me e estranhamente me invadiu a ansiedade de vê-la, parecendo que se a visse abraçaria e dar-lhe-ia um beijo, o que nunca havia feito. A tempestade, e a copa também, foram iluminadas por um relâmpago. O ambiente iluminado, além da claridade de uma lâmpada de vinte volts que mantenho acesa naquele ambiente, me possibilitou vê-la aquecida atrás da geladeira.
Mesmo com o estrondo e minha presença foi como se nada houvesse. Não sendo tão minúsculo, creio que ouviria o bater de seu coração, compassado e sem sustos e veria seus olhos arregalados, mas transmitindo também alegria por me ver. Gratificou-me a noite, permitindo que eu me sentisse como Francisco de Assis, que além de ser protetor dos animais, se revelou como o mais paciente dos cristãos que seriam canonizados: esperou quatrocentos anos após sua excomunhão para o reconhecem como santo. E ainda espera mais quatrocentos para que os homens sigam seus conselhos:
“Deixem que os animais cumpram suas missões no ciclo da vida”.
Não nos cabe amputá-los ou limitar suas existências.
(Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia)