Angústia, enfim.
(*) por Keli Vasconcelos
Pela janela do ônibus a vida passa de lampejo. Um clarão na escuridão da metrópole. Os olhos arregalados da criança com roupa colorida e nova de passeio atravessam as ruas, as casas, os edifícios que rasgam esta imensidão cinza. Segurado no colo da mãe, o menino franzino com cabelo penteado a gel observa os pássaros, os carros, as pessoas apressadas. Analisa cada detalhe e pensa, em sua sabedoria infantil, que aquele momento é de singela aventura. Diferente de nós, estáticos adultos.
O balançar da condução provoca enjôos nos mais sensíveis. Dá para perceber a grávida que afaga a barriga e a gestação com os olhos cansados. Uns debruçam no vidro da janela que serve ora de travesseiro, ora de consolo. Num instante, desviando-se dos obstáculos humanos no corredor de lata, em busca de um assento, no banco da frente próximo ao cobrador – ou trocador dependendo do dialeto de cada região – a moça de vestido azul deixa uma lágrima escorrer pelo seu rosto de ébano.
Enquanto isso, a rua é tomada por curiosos que se aglomeram na frente de um carro com os vidros estilhaçados. Policiais correm e afastam os mais afoitos. Não dá para ver quem está dentro do veículo. Pode estar vivo, pode estar morto. Mas o quê importa agora, não estamos mais lá para ver? A vida segue como o ônibus que nos conduz.
Aperto no peito, as mãos suadas que escorregam neste corrimão de aço. Milhares de pensamentos e perguntas passam pela mente. O que acontecera com o motorista, ou a motorista, daquele carro e aquela mulher que descera nessa rua deserta a soluçar? E o que imagina aquele menino, agora sentado no colo de sua mãe, ainda a balbuciar palavras soltas e com dificuldade por causa da chupeta? Só dava para ouvir um “que é isso mãe?” apontando para algema de outro policial em pé ao lado do motorista, cujo brilho invade o ônibus.
Olho para o rosto refletido dentro deste lugar. O que acontece comigo que tenho tantas coisas a dizer, a questionar, a responder?
Somos tão sós nessa multidão de solitários. Tão vazios nessa explosão de idéias. Tão únicos nessa diversidade de valores. O que resta agora é descer as escadas, ouvir o fechar a vácuo da porta do ônibus, atravessar a rua e prosseguir. Mesmo com dúvidas, compressões cotidianas. Ver o comum neste mundo de novidades.
Angústia enfim.
(*) Jornalista, nativa de São Paulo - Capital. Já atuou em rádio, assessoria de imprensa, editora e revistas. Faz trabalhos como freelancer e está sempre na incansável e “angustiante” luta por oportunidades
Pela janela do ônibus a vida passa de lampejo. Um clarão na escuridão da metrópole. Os olhos arregalados da criança com roupa colorida e nova de passeio atravessam as ruas, as casas, os edifícios que rasgam esta imensidão cinza. Segurado no colo da mãe, o menino franzino com cabelo penteado a gel observa os pássaros, os carros, as pessoas apressadas. Analisa cada detalhe e pensa, em sua sabedoria infantil, que aquele momento é de singela aventura. Diferente de nós, estáticos adultos.
O balançar da condução provoca enjôos nos mais sensíveis. Dá para perceber a grávida que afaga a barriga e a gestação com os olhos cansados. Uns debruçam no vidro da janela que serve ora de travesseiro, ora de consolo. Num instante, desviando-se dos obstáculos humanos no corredor de lata, em busca de um assento, no banco da frente próximo ao cobrador – ou trocador dependendo do dialeto de cada região – a moça de vestido azul deixa uma lágrima escorrer pelo seu rosto de ébano.
Enquanto isso, a rua é tomada por curiosos que se aglomeram na frente de um carro com os vidros estilhaçados. Policiais correm e afastam os mais afoitos. Não dá para ver quem está dentro do veículo. Pode estar vivo, pode estar morto. Mas o quê importa agora, não estamos mais lá para ver? A vida segue como o ônibus que nos conduz.
Aperto no peito, as mãos suadas que escorregam neste corrimão de aço. Milhares de pensamentos e perguntas passam pela mente. O que acontecera com o motorista, ou a motorista, daquele carro e aquela mulher que descera nessa rua deserta a soluçar? E o que imagina aquele menino, agora sentado no colo de sua mãe, ainda a balbuciar palavras soltas e com dificuldade por causa da chupeta? Só dava para ouvir um “que é isso mãe?” apontando para algema de outro policial em pé ao lado do motorista, cujo brilho invade o ônibus.
Olho para o rosto refletido dentro deste lugar. O que acontece comigo que tenho tantas coisas a dizer, a questionar, a responder?
Somos tão sós nessa multidão de solitários. Tão vazios nessa explosão de idéias. Tão únicos nessa diversidade de valores. O que resta agora é descer as escadas, ouvir o fechar a vácuo da porta do ônibus, atravessar a rua e prosseguir. Mesmo com dúvidas, compressões cotidianas. Ver o comum neste mundo de novidades.
Angústia enfim.
(*) Jornalista, nativa de São Paulo - Capital. Já atuou em rádio, assessoria de imprensa, editora e revistas. Faz trabalhos como freelancer e está sempre na incansável e “angustiante” luta por oportunidades
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