Vida são olhos que saúdam as madrugadas, acariciam as noites, escolhem sorrisos; ouvidos que recebem o barulho dos ventos, ouvem gemidos de dor, escutam palavras de amor; bocas que experimentam o deleite dos frutos e dos beijos e que recitam poemas;
narizes que sentem o cheiro da maresia, da comida que se cozinha no fogão e dos corpos suados. Pernas que andam pelos bosques e levam mensagens a lugares distantes;
braços que plantam jardins, e que se estendem para os abraços e para as lutas.
A vida é um poema enorme, uma explosão de gestos e de sentidos espalhados pelo espaço.
Mas como tudo o que é humano, a vida é também cansaço que anseia pelo sono.
Como diz o poeta sagrado, “para todas as coisas há o seu tempo, debaixo do sol; há um tempo de nascer e um tempo de morrer”.
Saber viver e também saber morrer.
Cada poema se inclina para a sua última palavra;
cada canção se prolonga na direção do seu silêncio.
Última palavra em que continuam a reverberar todas aquelas que a antecederam:
silêncio onde ressoam os sons que o prepararam.
Toda a vida é uma preparatio mortis e é por isto que a última palavra e o último gesto são um direito que ninguém lhe pode roubar.
Ao corpo pertence o direito de dizer: “É hora de partir”.
Por isto que Manuel Bandeira declarou que o seu último gesto deveria ser um poema. Pois era disto que sua vida estava cheia, de poesia:
Assim eu queria meu último poema:
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama que consome os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicações.
Texto extraído de: O Retorno E Terno
Rubem Alves, 22ª edição
Editora PAPIRUS
quinta-feira, 22 de maio de 2008
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