sábado, 29 de novembro de 2008

Renga da noite

noite escura
de luz a luz
nenhuma dívida
ontem hoje amanhã
trabalho pra madrugada
noites tardes manhãs
noite no mato
o cheiro de açucena
é nosso lume
noite de verão
escrevendo vento
eu e o vento
noite de verão
vem com a brisa
um cheiro de primavera
noite no escuro
pensando que era barata
matei o vagalume
noite cheia
lua minguante
meu quarto crescente

(Alice Ruiz)

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A carícia perdida

Sai-me dos dedos a carícia sem causa,
Sai-me dos dedos... No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?

(Alfonsina Storni)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!
Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...
Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.
Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.

(Guimarães Rosa)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

vou te amar
como no instante de quando te vi
de quando me apaixonei pela primeira vez;
te amar como se disso dependesse
a vida
como se o amor fosse mais do que ar;
te amar só por te ver sorrir...
te amar só por te ver...

(Cáh Morandi)

domingo, 2 de novembro de 2008

Estamos.
Nós estamos.
Juntos.
Amando.
( Nós estamos amando juntos?)
Estamos num tempo
E na poesia contida.
Estamos na saudade que arde
E na distancia que fica.
No céu que se abre,
E na paixão que domina.
Estamos guardados no templo
Da adoração profunda do ser.
Estamos no instante que ousamos viver.
Estou em ti.
Estás em mim.
Estou naquilo que calas.
Estás nessa poesia que exala.
Nem estava nos planos.
De repente, para sempre, estamos.

(Cáh Morandi)

sábado, 1 de novembro de 2008


"... Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.
Não chegaram a usar palavras como "especial", "diferente" ou qualquer coisa assim.
Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto.
..... Mas desde o princípio alguma coisa — fados, astros, sinas, quem saberá? conspirava contra (ou a favor, por que não?) aqueles dois.... para não sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, sem querer justificá-los — ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem? Pois foi o que aconteceu.
Tão lentamente que mal perceberam."

(Caio Fernando de Abreu)

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,

nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,

são eternos como é a natureza.


(Pablo Neruda)